quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Joséfine I

A luz estava apagada e ela começou respirando profundamente, mantendo o ar nos pulmões por quatro segundos e depois soltou como se soprasse toda a poeira pra fora. Uma pessoa ansiosa precisa desse tipo de exercício pra desacelerar os pensamentos. O inverno fazia companhia pros desabrigados e a solidão massageava lentamente o silêncio. A ausência de barulhos já era utopia, mas seu mínimo já trazia conforto. Como escapar desse caos ou como sentir-se parte de verdade? Joséfine não escapava e nem se sentia parte de coisa alguma. Ela corria e voltava e corria pra lugar nenhum. Tempos difíceis, o desaforo dos descontentes. Mesmo quando pequena ela se escondia debaixo da cama e ficava em silêncio, com uma lanterna ligada pra que pudesse escrever. Contava as aventuras que havia vivido e lamentava tudo aquilo que queria trazer pra mais perto. Com dez anos de idade ela já tinha concluído que não existem pessoas especiais. Nem mesmo ela. Mas sozinha, trancada em seu quarto, ela podia ser uma princesa.

É que Joséfine não gostava muito de falar. Quem dera ela poder vomitar tudo o que pensa: seria um sufoco pra ambas as partes. Mesmo entre as espécies que simpatizavam com sua companhia, ela era fria. Não sentia nada e não queria que sentissem nada em relação a ela, mentira. Joséfine queria chorar e não sabia porquê. E perguntava todos os dias, porquê. Tinha medo da idade e do tempo. Tinha medo de tudo. Mais um desses fardos que a gente tem que carregar em troca de comida e casa e banheiro limpo.

- Um dia tudo vai se transformar, disse pras paredes enquanto esquecia de controlar a respiração.

Tinha esperança, mas ter esperança não é tudo: pra acreditar de verdade em um monte de coisas é preciso ser levemente burro. Todos os livros de auto ajuda do mundo não são suficientes pra deixar esperançoso quem consegue perceber o lado obscuro da vida. Mas é tudo ponto de vista e acreditar que não existem verdades confirmadas é como abrir uma caixa de sapatos lacrada: não dá pra saber o tamanho do salto. É preciso contar sobre o que ela fazia dentro do quarto. Acredite, é preciso imaginação.

Tudo começou, era uma vez, de repente, certo dia, aconteceu que. Joséfine não tinha uma história. Ou tinha e não avisaram ela. Quem é que consegue aguentar os tapas-na-cara da vida e não desistir de contar as putaqueopariuzices? Um monte de gente. Mas ela só queria dizer: que merda. Apesar de também não gostar de reclamar; a meditação e as obras simpatizantes ensinavam que não devia jogar energias negativas no cosmos e ela decidiu acreditar. Joséfine se contradizia o tempo todo e ela concluiu que isso era normal. Nessa mesma noite tomou dez latas de cerveja e desmaiou porque não havia comido antes.

Mas como é difícil chegar a algum começo logo assim, no início. Não é legal já ir reclamando pra mostrar quem é que tá pagando a conta. O bom é chamar o freguês só com o cheirinho, pra que ele chegue mansinho, se apaixone e implore pra te entregar a carteira. O pior é que quando você reclama horrores e manda tudo pro espaço, você olha ao redor e tem um monte de coisas quebradas. Joséfine, porque tanta insatisfação? Nada, nada. Inferno são os que pensam nos outros.

domingo, 21 de agosto de 2011

eles

Acho que é porque agora tudo é curto, ela disse. Ele replicou: acho que é só insatisfação eterna. Ela queria explicações, ele queria só ser presente. Que presente é esse que não chega nunca? Ela acha que não precisava ser tudo rápido, pós-pós. Ele disse que o melhor é relaxar. Não se sabe, nunca se sabe, nunca vão saber. É tudo hipótese, achismo, repetição. Não? Não negue, seja positivo, disse ela. Ele disse: cala essa boca. Se você fechar os olhos pode ver mais tranquilidade. Ela achava que sonhar é legal, ele não achava nada. E nunca achou; ela passou a não achar também. São só umas letras perdidas, dentre tantas que só acontecem. O cheiro do cigarro acalmava e irritava os pensamentos dela. Ele não acontecia, ficava. Um dia iria de ser o dia, ou ficariam sozinhos depois de dois meses. Não se pode ficar grávida no ápice dos seus trinta, melhor agora, sempre é melhor depois. Já era, todos os enfins, ao menos existe algo, efêmero, simples, suspeito. Algo que atravessa qualquer dose de desepero, porque existe, é simples. Ou sim. O problema é que sempre há um problema. Ela queria resolver, ele queria continuar. E os sonhos continuaram sonhos, a paciência acabou e o momento escapou dos que achavam ele inacabável.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

noites

Uma garrafa de vinho no chão. um pacote de chocolates abertos, um maço de cigarros pela metade, um livro jogado, o computador com janelas abertas em todas as redes sociais, Beatles ao fundo, duas taças, uma pessoa. clichês. Dois telefones que não tocam. A amiga do andar de baixo esteve aqui, bebeu um pouco, viu alguns curtas comigo e quis logo dormir. Eu fiquei. O terceiro curta-metragem era sobre amizade, daquelas que surgem na infância e se tornam eternas até que cheguem ao fim. Isso fez com que eu lembrasse... lembrasse do que mesmo? Hm, lembrasse de gente da minha infância, da minha família reunida e das baboseiras que fazemos quando somos crianças. Mas eu logo percebi que cresci. E aqui. Agora: a janela aberta me faz ver prédios e o ventilador continua ligado mesmo sendo outono, só pelo barulho incrivelmente agradável que faz. Talvez lembre a infância e faça uma massagem simpática nas memórias inconscientes, vai saber. Eu mordo um quadrado de chocolate e deixo de lado porque também lembro que é preciso emagrecer, eternamente. Os chinelos do meu roommate chamam minha atenção porque são coloridos demais. Ele sai, sai sempre. Sabe se divertir mais, eu acho. Eu só reclamo. Hoje até chorei. Queria chorar mais vezes, pra falar a verdade, porque alivia tudo, descongestiona tudo, santo remédio. Queria dizer pras pessoas que dor às vezes também é bom. Que muita gente sofre porque quer sofrer, porque se sente melhor que sendo feliz. Vai entender? Eu entendo. Entendo e digito enquanto imagino o Caio Fernando escrevendo tudo à mão, ou numa máquina velha. Vejo ele do meu lado e digo: que bom que saiu dessa, companheiro. Não quero a morte. Não quero nada. Não sei de nada. Enxergo um caos lá fora que vai além do meu poder de saber o que vai acontecer. Será que pelos anos 90 tinham esses medos do fim também? Do caos, assim, sabe. Do ano 2000. Não, não sei, de novo, não sei. Repito muito as palavras. Preciso ler mais coisa importante, a internet acaba com meus neurônios. Muita bobagem. Muita coisa boa perdida entre as bobagens. Mas agora é mais difícil achar coisa boa que qualquer coisa, porque qualquer coisa não falta. Dor nas costas, deve ser de não fazer nada. Deve ser do fato de eu ser um filho bastardo da geração Y que gosta de tudo, quer tudo e não se mexe. Eu me mexo sim. Mas devia fazer mais. Mais. Mais. Ou menos e viver mais. Quem sabe. Queria criar e às vezes tenho a impressão de que tudo já foi criado. Será que também pensavam assim nos 90? Enquanto eu corria, criança, pelas ruas da minha cidade vazia eles deviam, sim, pensar assim. Cigarro. Tentei parar mas acho cigarro um demônio-poeta. Eu tento parar de vez em quando mas sempre volto. Acho que é porque tem coisas que eu gosto de sentir o gosto da primeira vez de novo. Não que o gosto do primeiro cigarro seja bom, mas o gosto do primeiro cigarro depois de uma tentativa frustrada de largar, esse sim, é ótimo. Fico sem idéias de como continuar e penso: a internet está cheia delas. Cheia de gente que quer escrever difícil, também. Odeio quem escreve difícil. Sempre achei que eles só querem escrever difícil para serem classificados como algo complexo e para serem decifrados por gente que sente prazer ao entender coisa difícil, mesmo que tudo aquilo ali pudesse ser descrito em uma frasesinha simples que qualquer um entenderia. Menos é mais; o complexo está no mais simples. A vida pode ser decifrada por qualquer um, a qualquer momento, sem importância de escolaridade-cor-profissão-sexualidade-religião-grau-de-importância. E daí se eu assassino o português? Todo mundo assassina ele todos os dias, e as línguas foram criadas para serem assassinadas. Quem vive se não para morrer um dia? Quem vive se não para ter crises existenciais o tempo todo e culpar alguém pela dor que sente por dentro? Ora, a culpa da dor é toda nossa. Sempre. Sempre, sempre, sempre. Nem pense numa desculpa, somos nós quem criamos a dor e damos importância pra ela. Sou eu quem alimento pra que ela cresça feliz como uma plantinha medíocre que logo vira um pé de feijão dentro de mim. E ela cresce feliz mesmo, porque pra dor existir ela tem que ser feliz; pra que algo possa crescer, essa coisa precisa ser feliz, mesmo que seja apenas dor. Eu devo ter mudado os tempos verbais umas dez vezes. Que se dane, escrevo pra ser entendido, e não julgado. Quem julga demais é porque está gritando para que alguém o julgue também; essas necessidades caóticas do ser humano me assustam. Não, nem assustam mais, foi só porque não encontrei outra palavra. Enquanto derramava vinho na taça pensei, quando alguém faz algo pra não mostrar a ninguém, faz com verdade. Eu não sei se algum dia alguém vai ler isso. Mas se você me conhece (ou conheceu, sei lá que ano pode ser agora), sorria. Se nunca me conheceu, sorria também. Sorrir nunca é demais. Eu sorri agora. No meu presente, no meu infinito aqui, agora, já. As lágrimas secam. Ame elas, mas ame mais ainda o sorriso. Ame tudo. Porque nada do que eu escrevi importa. O que importa é você, o seu sorriso e o seu amor. Mais uma taça.

*dos arquivos de Another Days

Inacabado

Sentei no chão do mesmo banheiro que me acomodava nos dias tristes da infância e adolescência. Sentei no chão e chorei, exatamente da mesma maneira como fazia antigamente. O aperto no peito é sempre igual, nunca muda. E crescer dói. Me olhei no espelho e vi as lágrimas escorrendo no rosto, um sorriso tentando ser esboçado e a minha silhueta de adulto. A pele não era mais tão lisa e, na última vez que lembro de estar nessa mesma situação, nem tablet existia. As crises existenciais eram diferentes, mas eu ainda era o mesmo. A gente cresce por fora; e dentro continuamos criança. A diferença é que disfarçamos e fingimos ser adultos pra sermos aceitos socialmente. Mas minha loucura ainda doía e eu sentia que o tempo passava e eu não chegava perto dos meus sonhos. Aí alguém no espelho me disse que eu era uma pessoa doce e que era pra sorrir porque a dor tinha saído. Abri a porta do banheiro e continuei e experimentar o que todos chamam de solidão disfarçada.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

meus passageiros.

Girei, girei, girei até tombar naquele chão sujo infestado de solidão. Não consegui me levantar e fiquei ali, deslumbrado com o infiito que se formou diantes de meus olhos tontos. Eu quis buscar todas as respostas naquele momento, mas não consegui nada além de ressucitar velhos pensamentos que me incomodavam de maneira cruel. Eu não pude sair dali. Meus olhos queriam as respostas. Minha cabeça começava a encontrar a loucura. Os meus pés começaram a se mexer devagar, procurando tocar em algo que me desse mais e mais forças pra continuar. Levantar. E pra caminhar. Porque às vezes eu percebo que minhas pernas se movem mas que eu não procuro chegar a lugar algum, que eu tento apenas me refugiar numa loucura infantil que me faz de escravo alucinado. Ou não. O chão frio me tocava. Era a única coisa que me tocava. Aquela poeira trazida pela vento de qualquer lugar que não fosse aquele lugar ali, e que agora ficava adormecida nas frestas daquela madeira corroída. Eu queria escalar a janela e me jogar não-sei-pra-onde, cair e bater a cabeça e desistir da minha existência-qualquer. Não sei quanto tempo passou desde que eu havia tombado. Mas os barulhos vindos da rua me trouxeram a consciência perdida por instantes. Eu só queria existir. Me desculpe por todas essas lamentações baratas, mas eu não consigo passar um dia sem pedir ajuda. Eu sento de joelhos e jogo toda a energia do meu corpo pro espaço e sinto uma onda quente de vibrações neutras invadindo meu cosmo e pedindo pra aguentar firme. Forte. Sou fraco. Não, eu sou forte. Os meus vinte e poucos anos me deixaram com a carga dos quarenta, e eu já não suporto mais esperar. Quero que as coisas aconteçam de fato. Quero levantar. Lavar meu corpo e expulsar toda essa sujeira que me faz ser imundo. Quero o mundo. Mas sei que ele não cabe nos meu braços. Estou fraco, não, não, estou forte, preciso aguentar de novo. Os meus braços empurram o chão que me empurra de volta pra que eu possa ficar sentado. Pra depois levantar e voltar pra realidade barata que não consigo mais suportar. Tive dias felizes, vários, pensei que dessa vez seriam pra sempre. Mas me deixei enganar pelo tempo. Hoje eu sei que esses ciclos vão me atordoar por mais invernos. Infernos. Até eu conseguir o que nem sei o que quero. Até eu cair de novo e levantar sem a menor dúvida de que preciso continuar existindo. Levanto a cabeça e olho pra janela. Os velhos devaneios voltaram. Preciso expulsá-los de mim. Ou então vou me deixar caído até esperar passar uma brisa forte o suficiente pra me levar junto. Sei que não vai acontecer. Que se dane. Meus pés já estavam sujos e tudo que eu tenho que fazer é encontrar a melhor maneira de lavá-los, pra que enfim, possam se sujar de novo, mas com poeira mais fina e simplesmente passageira.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

então eu decidi ser mais humilde, porque descobri que é na humildade que se escondem todos os meus problemas de se sentir inseguro tentando mostrar algo que eu não sou e que não é nada humilde. decidi dedicar meu tempo para o estudo do crescimento não só humano, mas o crescimente inerente que cresce no paralelo de nossas visões realistas e pobres. vou tentar ver além. vou tentar sentir além. até conseguir enxergar um resquício de paraíso guardado no fundo das minhas memórias futuras que eu ainda não descobri. mas que descobrirei e como.

domingo, 11 de abril de 2010

Domingo II

Fui então pra lá ver de que cor era o sol que não pintava pra mim. Aí abri os olhos e percebi que toda aquela luz sempre esteve lá, mas que eu vivia de olhos fechados porque claridade às vezes dói. Aí eu quis enxergar aquilo sempre, mas sabia que não era possível, então guardei um pedacinho da luz na minha memória sensitiva. Alguém parou do meu lado e observou aquilo tudo com tranquilidade. Olhou pra mim, abriu a boca mas não disse nada. Eu então retruquei o silêncio com um sorriso de brilhar os olhos. E aquela luz ficou ali, refletindo nosso silêncio sem precisar mudar nada porque tudo tinha acabado de se iluminar.

*um domingo iluminado!